“É a língua mãe, o crioulo é a língua materna, só que no tempo colonial era proibido, expressamente proibido falar crioulo, falar dialeto, nós lá antigamente chamávamos dialeto, língua materna, ‘estavam a falar a língua materna, não fala dialeto, essa é língua de preta, língua de trapo, não fala essa língua’. Portanto, por exemplo, a minha irmã viveu sempre com o meu pai, só quando o meu pai morreu, tinha ela 12 anos é que ela passa para a minha mãe, então aí é que ela aprende a língua materna… a falar crioulo. Mas é engraçado que embora, sendo, portanto, nós temos três crioulos, um na Ilha do Príncipe e outro na Ilha de São Tomé, um no sul e outro no resto do país, mas é engraçado que tendo essa pressão do português sendo o português a língua oficial, sendo o português a língua deles, se esmeram por falar português, eu tenho muitos amigos na elite como tenho no povo e muitas vezes convidam-me, Olinda Beja, anda lá, e pronto, estamos todos a falar português, mas de repente, quando querem contar coisas mais típicas de São Tomé, eles já estão a falar em crioulo… portanto, é a língua dos afetos, é a língua que se fala quando se vai mais para o interior, com os tios, com os primos. Eu dou o meu caso pessoal, eu tinha um tio que era o tio mais velho da família, tio Filipe, “tio Filipe está melhor?”, “Ah, sobrinha, sabe, doença é assim cabê, cabi”, do português ele passa para o crioulo, a doença vai e vem, cabê, cabi. Ele convencido que eu estava a perceber, isto é logo no segundo ano que eu vou a São Tomé, portanto, toda a gente é bilingue, desde que nasce até que morre”.
Olinda Beja (escritora, São Tomé e Príncipe)
Entrevista concedida no âmbito do projeto de investigação: “Narrativas Identitárias e Memória Social: a (re)construção da lusofonia em contextos interculturais”, financiado pela FCT (PTDC/CCI-COM/105100/2008)