[Impacto da internet na vida dos cidadãos]
“Muito grande, eu acredito que muito grande e isso eu constatei, porquê? Por isso é que, uma das coisas que faz-me ter cuidado, por ser língua portuguesa, faz-me ter cuidado com a forma como eu escrevo, porque eu acredito que o meu blogue não é só acedido, acredito e tenho a certeza, por pessoas da alta, ou seja, por pessoas que têm acesso à internet. Uma pessoa que tem acesso à internet, está na alta, quando eu digo que está na alta, não digo que está na boa vida, quer dizer, está num nível que não é para qualquer um, seja no serviço, internet no café, mas a simples falta de já…dá-lhe um estatuto particular. Tive uma experiência com um moço que via os comentários, os extratos que retiravam dos meus blogues para o jornal “A Verdade”, o jornal “A Verdade” é gratuito, portanto toda a gente tem acesso e o moço gostava de ver o que vinha ali sobre Ximbitane e ele sempre teve a curiosidade de poder ver o tal blogue, porque ali vem o link do blogue, mas ele não tinha acesso à internet, nem sabia como ter acesso à internet e ele comprou um telefone que lhe permitia ter acesso à internet e ele diz que uma das coisas que ele fez primeiro foi justamente acessar o blogue e ver e então, mas como é que esse moço descobriu que era eu mesmo? Ah, estava com os meus filhos e os meus filhos sabem que eu uso esse nome Ximbitane e às vezes quando eles querem provocar-me chamam-me Ximbitane, Ximbitane… estamos nas nossas brincadeiras em que eu me faço de criança, não é, então para não me estarem a chamar mãe, chamavam-me Ximbitane. Estávamos no Jardim dos Namorados, “-Ximbitane, Ximbitane…”, então o moço aproxima-se “desculpe, muitas desculpas mesmo”, o moço era motorista de uma das casas dali da Frederick Engels. Era o motorista que estava à espera dos patrões. “Eu, quando ouvi Ximbitane, disse não é possível, desculpe minha senhora, muitas desculpas mesmo”, “Então, o que se passa?”, “A senhora é a Ximbitane?”, “Sim, sim”, “É Ximbitane mesmo?”, “Sim”, “A senhora tem alguma coisa a ver com aquilo que escrevem na A Verdade?”. Aí eu caí, “Eu não”. A minha filha já lê, “É ela sim, é ela sim!”. Eu não sabia e ele disse “sabe minha senhora, eu nunca estive à frente de um computador, nunca, quando eu estou à frente do computador é porque vou entregar alguma coisa ao meu patrão que está sentado ao computador, mas eu tocar no computador, ver o que acontece, não sei, mas eu consegui ver o que a senhora escreveu, era uma postagem sobre polícias, que cobravam aos motoristas de chapa a torto e a direito e minha senhora, aquilo é verdade, é verdade”. Eu quase que chorava, eu não acreditei. Então isso, pocha, há pessoas que não tendo alternativas, arranjam forma de poderem ter acesso, isso é espetacular, é a minha maior alegria”.
Nélia Pioris, autora do blogue Ximbitane, Moçambique
Entrevista concedida no âmbito do projeto de investigação: “Narrativas Identitárias e Memória Social: a (re)construção da lusofonia em contextos interculturais”, financiado pela FCT (PTDC/CCI-COM/105100/2008)