“O maior problema que eu vejo hoje é o seguinte: nós temos, de um lado, um país com duzentos milhões de falantes e, do outro lado, um país de dez milhões de falantes. E, infelizmente – você vai entender, não é infelizmente – o país de dez milhões de habitantes é que tem um instituto que leva a língua para a frente. Nós não temos! Eu digo infelizmente nesse sentido. Nós poderíamos juntar forças porque eu acho que hoje o Brasil tem dinheiro suficiente, interesse suficiente, para colocar num Instituto Cervantes. O Instituto Camões virar uma espécie de Instituto Cervantes, de tal maneira que nós pudéssemos transformar a língua numa coisa realmente viva e vendável. Todos ganhamos dinheiro com isso e todos podemos estabelecer uma relação mais interessante com o resto do mundo através da língua e da cultura portuguesa. O problema todo é que, de um lado, Portugal tem essa ideia, que eu acho equivocada, de ser dono da língua. O Instituto Camões, por exemplo, só entende como língua portuguesa a europeia. Tanto que não existem professores do Instituto Camões que sejam brasileiros ou Angolanos. Nada! Só os portugueses. Do outro lado, o Brasil não faz absolutamente nada para divulgar. Quer dizer, não há um organismo ou um interesse institucional para transformar isso numa coisa realmente interessante. Então fica uma briga boba – eu acho uma briga estúpida – no sentido em que, de um lado, você tem um apego – que eu acho um pouco equivocado – à ideia de que é dono da língua e, do outro lado, a postura de que por isso não se faz nada. Esse, para mim, talvez seja o grande equívoco. Eu conheço muita gente que trabalha no Instituto Camões que divulga a cultura e a literatura brasileira independentemente das orientações oficiais. Mas, oficialmente, existe isso e eu acho um dos maiores dos equívocos e nós não conseguimos resolver esse problema”.
“E eu já li alguns textos de estudiosos que acreditam, inclusive, que a fala do Brasil hoje é muito mais próxima da fala do século XVI em Portugal do que a de Portugal hoje. A língua falada em Portugal evoluiu para uma aspereza que não era comum no século XVI. Até nesse ponto é um grande equívoco. Existem estudos maravilhosos de linguistas que vão ler a literatura Mineira, particularmente, regionalista, e que encontram lá registos de lusitanismos do século XVI. Então é assim: de quem é a língua? E pior ainda. Sabe o que é que eu acho? Eu acho o seguinte: esse apego é tão bobo como a ideia de que Portugal, por exemplo, destruiu o latim. Se pensarmos assim: eles falavam tão errado que destruíram o latim. Ao fim e ao cabo é isso. Quer dizer, nós brasileiros estamos fazendo com o português o que os portugueses fizeram com o latim?! Não é isso mas é mais ou menos isso. Então, eu acho uma pena que nós tenhamos esse problema. O Cervantes não fica preocupado se é um colombiano, um argentino ou um mexicano que vai dar aulas. Ele está interessado sim em divulgar o espanhol. Nós não fazemos a mesma coisa”.
“Esse nunca foi um problema para a gente. Se é um problema para os portugueses, nunca foi um problema para a gente. Nunca! Eu tenho a certeza que houve várias mudanças ortográficas em Portugal ao longo dos séculos. Até no século XX, provavelmente. E acredito que isso não tenha causado nenhum trauma. Eu já passei por umas duas ou três reformas ortográficas e nem por isso estou traumatizado. Isso nunca foi um problema no Brasil. Claro que você vai encontrar uma ou outra pessoa que diz: – Ah, porque perdemos o circunflexo de “vou” –, por exemplo. Não é um problema. Você em Portugal todos os dias tem uma matéria de página inteira falando mal do acordo ortográfico. Existem livros. Você vê isso aqui no Brasil?!”
Luiz Ruffato, escritor, Brasil
Entrevista concedida no âmbito do projeto de investigação: “Narrativas Identitárias e Memória Social: a (re)construção da lusofonia em contextos interculturais”, financiado pela FCT (PTDC/CCI-COM/105100/2008)