“A ideia de lusofonia horizontal tem a ver com cooperação horizontal, a ideia de que não existe uma relação de dominação, a própria história de descolonização dos países africanos de língua portuguesa implica que não haja uma relação neo-colonial, uma relação de dominação entre os países. Ao mesmo tempo é uma relação de desconhecimento mútuo, talvez os portugueses conheçam um pouco os países africanos, os brasileiros não conhecem, os portugueses conhecem mal o Brasil, os brasileiros conhecem mal Portugal, os brasileiros conhecem menos ainda os países africanos de língua portuguesa, então é uma ideia prepositiva, que deve haver instrumentos de conhecimento mútuo, antes de tudo. Existem relações económicas, mas mesmo assim ainda falta uma relação de conhecimento”.
“A ideia do próprio conceito de lusofonia horizontal remonta a uma história de cessação de descolonização dos países de língua portuguesa, com relação a Portugal, em diferentes momentos da história, uma separação que não redundou numa nova forma de dominação, as pessoas têm que se lembrar disso. O sistema dos países de língua portuguesa é muito diferente do sistema anglófono ou francófono, esses sistemas não são politicamente horizontais, a relação dos países francófonos africanos é muito diferente, com relação à França, existe uma relação de dominação, uma relação neo-colonial, não com todos os países, mas com a maioria deles, hoje esses países ainda devem muito à França. Angola e Moçambique, principalmente, têm uma ligação muito forte com Portugal, mas não é uma relação de dominação, muito pelo contrário, é uma relação de troca. Os portugueses compram, fazem negócios, fazem investimentos em Angola, mas os angolanos também fazem investimentos em Portugal. Às vezes eles vão lá e compram uma vinícola importante portuguesa, compram marcas importantes. Então, se hoje Portugal está a recolonizando Angola ou Moçambique, o recíproco também é verdade. A filha do presidente de Angola, às vezes, está recolonizando Portugal, então eu prefiro não usar essa palavra colonizar, o que existe é uma troca de ombro a ombro e isso é uma característica muito peculiar, esse sistema dos países de língua portuguesa, nós temos uma peculiaridade, nós lusófonos”.
“Eu acho que a lusofonia não é uma ideia neocolonial, não é uma ideia colonialista como muita gente afirma hoje, é uma ideia mais normativa do que factual. A lusofonia vai-se desenvolver. Hoje a cooperação entre os países de língua portuguesa está crescendo, vai crescer ainda mais nas próximas décadas. A ideia de lusofonia está nascendo, mas já nasce com alguns problemas, com alguns vícios ideológicos, isso tem que ser revisto, tem que ser debatido, tem que ser discutido. Os países de língua portuguesa não precisam de mitos, não precisam de heróis, hoje fala-se por exemplo do Agostinho da Silva, filósofo português, sempre de maneira muito distorcida. Outros heróis, por exemplo, heróis angolanos também são tratados como heróis, não, essas pessoas não têm que ser vistas como heróis, elas são pessoas importantes que devem ser relembradas, mas não serem tratadas como seres mitológicos, então essa é uma das críticas que eu faço, não precisamos disso. Precisamos da ideia de lusofonia, precisamos, para que haja um conhecimento mútuo maior entre os países de língua portuguesa, porque esse conhecimento não existe. Pergunte a qualquer brasileiro se conhece música angolana, conhece o kuduro, mas existe muito mais do que o kuduro em Angola. Música moçambicana, quem conhece música moçambicana no Brasil, pouquíssimas pessoas, nem académicos conhecem, nem gente que estuda literatura moçambicana conhece a música de Moçambique”.
Daniel Cunha, autor do blogue Lusofonia Horizontal, Brasil
Entrevista concedida no âmbito do projeto de investigação: “Narrativas Identitárias e Memória Social: a (re)construção da lusofonia em contextos interculturais”, financiado pela FCT (PTDC/CCI-COM/105100/2008)